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Ano novo, quem? | Parte I


— E aí, amigo, o que achou de passar o natal com minha família?

— Foi legal — responde com cansaço na voz, naquele momento, Lucas quer se deitar e esperar a comida descer.

— Só "legal"? — indaga Daniel, andando de costas para ficar de frente ao seu amigo — Admite, vai!

— O que?

— Foi mais legal do que com sua família.

— Qual foi o problema do natal do ano passado?

— Questão é essa! Não teve. Não me entenda mal, amigo Eu amo sua família, me acolheram super bem. Mas, amigo!? A gente comprou um galeto assado, jantamos e formos dormir antes das dez da noite.

— Saudades.

— Saudades? Você só não quer admitir, né?

— É, Dan — diz em meio a uma risada tímida — Foi legal.

— Gostou da experiência de natal?

— Foi bom, não conhecia a maioria dos seus parentes... E agora sei daonde você puxou esse lado... Animado.

— Como assim "animado"?

— Tive que ouvir muitas variações da piada do pavê hoje. Não me faz explicar.

— E da comida, você gostou?

— Muito. Nunca tinha comido peru antes. É bem gostoso.

— É, né? Percebi, amigo você caiu de boca no—

— Somos melhores amigos, mas se terminar essa piada, eu juro que quebro seu braço.


Daniel solta uma leve gargalhada e volta a andar ao lado do seu amigo.

As primeiras horas do Natal parecem mais frias, com eles andando sem pressa, mas desejando suas camas quentinhas.

As luzes das casas ao redor ainda piscavam, refletindo nas poças d'água deixadas pela garoa da tarde. Algumas famílias pareciam ainda comemorar, com risadas e músicas escapando pelas janelas abertas.

Lucas ajeita o casaco, encolhendo-se contra o vento gelado.


— Normalmente sim. Me ajuda a digerir a comida… e pensar.

— Pensar no quê?

— Ah, coisas. Sobre o ano, sobre a vida... Você sabe, clichês de Natal — responde Daniel, desviando o olhar com um sorriso melancólico.


Lucas sente a sinceridade na resposta, mas não insiste. O silêncio entre eles é confortável, como se a noite fria fosse um espaço seguro para suas reflexões não ditas.

Depois de alguns minutos, Daniel quebra o silêncio com uma voz mais leve:


— Sabe, você é o primeiro amigo que eu levo para passar o Natal com minha família.

— É mesmo?

— É. Achei que ia ser esquisito, mas foi legal. Eles gostaram de você.


Lucas ergue uma sobrancelha.


— Até o seu tio que me chamou de ‘genro’ três vezes, só por que ajudei sua prima a se servir?


Daniel ri alto, sem conseguir conter.


— Ah, o Tio Renato… Ele faz isso com todo mundo quando bebe. Ele tem esperança que alguém queira a prima Dulce, tadinha, vai ficar pra titia mesmo. Daqui a dois meses ele nem vai lembrar que te disse isso.


Lucas não resiste e ri também, balançando a cabeça.


— Sua família é… peculiar. Mas é bom ver como vocês se divertem juntos. É diferente do que estou acostumado.

— Talvez você devesse vir todo ano, então — sugere Daniel, com um sorriso sincero.


Lucas olha para o céu, as estrelas quase apagadas pela luz da cidade, e solta um suspiro. “Talvez.”


Os amigos seguiam juntos, em silêncio por alguns minutos, apreciando o som suave do vento misturado ao riso distante de outras famílias que ainda celebravam.


— Essa rua fica bonita no Natal — comentou Lucas, encolhendo-se no casaco.

— Fica mesmo — respondeu Daniel, com um sorriso — É engraçado, sabe? Eu passo por aqui todo dia, mas parece que só agora percebo como as coisas mudam.


Lucas assentiu, observando as luzes nos galhos de uma árvore ao lado da calçada


— Acho que o Natal faz isso. Meio que força a gente a prestar atenção.


Eles continuaram andando, trocando comentários leves sobre a noite. Daniel contou sobre as peculiaridades de seus parentes — histórias que fizeram Lucas rir mais do que esperava. Quando finalmente chegaram na casa de Daniel, as ruas estavam quase desertas, a calma da madrugada começando a se instalar.


— Dorme bem — disse Daniel ao amigo, esticando o braço para um breve toque no ombro.

— Você também, cara. Até amanhã — responde indo para o quarto de hospede.


Daniel entrou em seu quarto, mal se dando ao trabalho de tirar o casaco antes de cair na cama.

Lucas se senta na cama e tira o celular do bolso, onde disca um número e espera ser atendido, que pelo o horário acha quase impossível, mas logo o som de espera é substituído por um:


— Alô, filho?

— Oi, mãe. Feliz Natal!

— Feliz Natal. Como está a viagem, está gostando?

— É... É bem legal aqui. São muito festeiros, sabe?

— Ainda bem que tá gostando.

— Como o pai tá? Conseguiu uma folga dessa vez?

— Não, trabalhou hoje. Mas, vai folgar no ano novo — responde em meio a um bocejo.

— Liguei pra saber como vocês estão. Logo, logo eu tô de volta, viu?

— Aproveita, meu filho. Beijo, mãe te ama.

— Filho te ama também... Até!

— Até!


Ele guarda o celular próximo a cama, e se deita, olhando para a janela, relembrando a experiência única que sentiu naquela noite.

Quando o sol tímido da manhã seguinte atravessou as cortinas, Lucas acordou com a cabeça pesada, mas uma sensação de tranquilidade inesperada. Estava frio, mas o dia parecia limpo, como se prometesse um começo leve para o restante das festas.

Após se espreguiçar, ele ouviu batidas suaves na porta do seu quarto. Ao abrir, encontrou Daniel na cozinha, com uma expressão de quem já estava acordado há algum tempo, preparando o café.


— Bom dia — murmurou Lucas, a voz ainda rouca — Você já tá de pé?

— Não consegui dormir direito — respondeu Daniel, coçando a nuca — Acho que ainda tô cheio de peru.


Eles riram, e Daniel o convidou para tomar um café. Lucas se senta junto a ele e continuaram conversando sobre as festas, rindo das piadas de pavê e de outros momentos da noite anterior.

Quando decidiram sair para o quintal e sentir o frescor da manhã, encontraram a porta da frente entreaberta.


— Você deixou isso assim? — perguntou Lucas, franzindo a testa.

— Claro que não — respondeu Daniel, aproximando-se com cuidado.


Ele abriu a porta com mais firmeza, e os dois congelaram ao ver a figura de um homem deitado na soleira da casa.


— Quem é ele? — murmurou Lucas, o tom misturando surpresa e preocupação.


O homem estava de lado, encolhido, com as roupas simples manchadas de sujeira. Sua respiração era lenta e fraca, e havia uma expressão de exaustão em seu rosto.


— Ei, amigo? Você tá bem? — perguntou Daniel, agachando-se ao lado dele.


Sem resposta. O homem não parecia ferido, mas estava claramente exausto. Lucas, inquieto, apontou para algo no bolso do desconhecido. “Olha aquilo,” disse ele.

Daniel puxou cuidadosamente o pedaço de papel. Era um bilhete amassado e ligeiramente sujo, mas a mensagem era clara: “Rua Guilherme Batista, 1978.”


— Essa rua é perto daqui? — perguntou Lucas, com a voz tensa.


Daniel balançou a cabeça, ainda analisando o bilhete como se pudesse arrancar mais informações dele.


—Não faço ideia. Mas isso parece importante.

— Será que chamamos a polícia? Ou uma ambulância?


Daniel hesitou. Ele olhou para o bilhete, depois para o homem e, por fim, para Lucas. Algo naquela situação o estimulava a fazer algo mais.


— Talvez — começou ele, com um tom cauteloso — Mas antes, acho que precisamos descobrir o que significa isso. Vamos botar ele pra dentro.

— Por que!? — indaga o amigo.

— É o mínimo que podemos fazer, cara tá desacordado.

— Não, o mínimo que podemos fazer é nada.

— Qual é, amigo. Cadê seu espírito natalino?

— Acaba quando você quer pôr um desconhecido dentro de casa. Ele só deve tá... Sei lá, bêbado, aproveitou demais as festas ontem e confundiu de casa.

— Ele não tem cheiro de álcool.

— O que torna a situação pior. Ele não estava bêbado quando conseguiu abrir sua porta da frente!


Lucas cruzou os braços, o frio da manhã parecendo se intensificar. Ele lançou um olhar para o homem desacordado, depois para Daniel.


— Você quer ir até lá, né?

— O que?

— Eu te conheço, Dan. Nada pode ser calmo demais pra você.


Daniel deu de ombros, com um leve suspiro.


— Não sei. Mas não consigo deixar isso assim. E você?


Lucas fitou o céu limpo acima, como se procurasse uma resposta. A noite anterior parecia uma lembrança distante, ofuscada pela estranheza daquela manhã.


— Aí, cara... Vamos. Você vai me empurrar pra isso de qualquer modo — disse ele finalmente — Enquanto ele?

— O que sugere?

— Espera ele acordar.


Com o bilhete em mãos e um homem misterioso na porta, os dois sabiam que algo estava prestes a mudar.



 
 
 

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