Ano novo, quem? | Parte II
- Guilherme
- 20 de dez. de 2024
- 7 min de leitura
— Rua Guilherme Batista, 1978… Onde será que fica isso? — Lucas se perguntou enquanto fitava atentamente o bilhete que Daniel segurava.
— Não faço ideia… Mas como eu te falei, deve ser algo importante, eu sinto isso…
— E por qual motivo seria algo importante?
— Amigo, pensa comigo — Daniel começou a andar de um lado pro outro e Lucas o olhou com uma cara de “lá vamos nós” — Esse homem estranho apareceu aqui nessa manhã, ou seja, na manhã de natal.
— E? — indaga Lucas não sabendo onde o amigo queria chegar.
— Não tá óbvio? Faz parte da magia do natal, amigo! — Ele exclamou com um ânimo que ultrapassava a compreensão de Lucas — Sei lá, vai ver o Papai Noel mandou ele aqui querendo que a gente cumpra uma missão de natal que ele não pôde fazer…
— Tá, digamos que o Noel não tenha conseguido cumprir essa tal missão, por que você acha que logo nós dois seríamos os escolhidos pra isso?
Lucas já estava acostumado com a imaginação fértil de seu amigo. Uma vez, Daniel jurou que viu dois garotos sobrevoando a cidade em um trenó e entrando em casas entregando presentes para as crianças. Lucas poucas vezes questionava, apenas deixava o amigo ser feliz.
— Não sei, deve ter algum motivo. Você não reparou nesse homem?
— Não… Por acaso ele te pareceu algum tipo de modelo da Victoria 's Secrets? — Lucas ironizou e Daniel revirou os olhos.
— Para de graça, o assunto é sério. — Daniel tentava parar de rir enquanto Lucas levantou os braços em sinal de rendição — O que eu quis dizer é que ele não me parece… bem, como eu posso dizer… desse século.
— … Oi?
— Ai, amigo… Olha só pra ele, essas roupas, esse cabelo, sei lá… me parece uma vibe dos… anos 60, 70, não sei.
— Vai ver ele gosta de ter um estilo meio vintage, tá na moda hoje em dia.
— Não, amigo… — Daniel revirou os olhos tentando convencer Lucas de sua teoria enquanto reparava mais naquele homem desacordado em sua porta. — Ei, olha só isso… tem um relógio meio caído do bolso dele!
— Eu não tinha visto isso… — Lucas foi até onde Daniel apontou e segurou em suas mãos um relógio de bolso daqueles antigos. Era dourado, um pouco gasto, sujo e com uma corda e parecia ser do século XIX. — Que estranho… Esse relógio parece ser muito antigo, olha atrás, tá datado do século 19!
— Século 19? — Daniel indagou surpreso e os amigos se entreolharam.
É… Agora até Lucas que era mais pé no chão comparado ao amigo, estava com uma pulga atrás da orelha sobre tudo isso.
— Primeiro ele aparece aqui do nada, não tem cheiro de álcool nem aparenta ter usado drogas, tá usando essas roupas simples, porém, esquisitas
— E que não parecem desse século!
— Isso. — Lucas continuou após Daniel interromper seu raciocínio. — Agora a gente encontra com ele um relógio de bolso datado do século 19? Amigo, não seria melhor a gente levar isso na polícia?
— Eu tava pensando em outra coisa mais racional, Lucas. O que você acha da gente ir até a rua que diz nesse bilhete?
— O QUÊ? — Lucas questionou incrédulo. — Dan… eu não sei se o tanto de peru que você comeu ontem te fez bem, mas amigo… Isso é muito perigoso. Por qual motivo você quer ir até essa rua que tá num bilhete estranho dentro da roupa de um estranho que nem parece ser daqui? — Lucas enfatizou bem a palavra “estranho” enquanto tentava entender o raciocínio de Daniel.
— Porque deve ser a missão do Papai Noel, amigo…
Lucas balançou a cabeça negativamente e começou a reparar bem na cara daquele homem. As lembranças da noite anterior voltaram à sua mente e ele lembrou de ter visto um cara parecido em um porta retratos na casa de Daniel.
— Missão… “Papai” Noel… Pensando bem, pode ser uma boa, Dan… — Lucas falou confuso enquanto Daniel começava a olhá-lo com uma expressão de felicidade. — Tá bem, Dan. Bora lá nessa rua aí, seja lá onde ela for.
Daniel pulou animado e logo depois os amigos combinaram de colocar o homem pra dentro de casa e trancá-lo para que eles pudessem sair. Lucas rapidamente se arrumou e enquanto Daniel trocava de roupa, ele escondeu alguns objetos de valor da casa do amigo pro caso daquele homem ser um criminoso. Lucas guardou o relógio no bolso e logo após eles saíram.
Depois de procurar rapidamente na internet por esse local e não encontrar informações, Lucas e Daniel saíram pela rua de casa perguntando pra cada pessoa onde ela poderia ficar. Sem sucesso, eles estavam quase desistindo, até que uma senhora bem velhinha saiu pra fora de sua casa e com muita bondade, direcionou os meninos até uma área desconhecida da cidade, onde ela alegava que ali ficava essa rua misteriosa, que segundo ela, estava abandonada há anos.
— Ai Dan… Tô quase desistindo dessa “missão” aí… — Lucas expressou preocupação enquanto fez aspas com os dedos até que os amigos viraram a última esquina que faltava pra chegar até aquela rua, segundo a senhorinha.
— Bem, aparentemente, Rua Guilherme Batista, 1978, chegamos… Ué… — Daniel olhou para o amigo e uma sensação diferente tomou os dois. A rua aparentava ser antiga, escura e abandonada. — Assustadora, eu diria…
— Dan, acho melhor a gente… — Lucas começou a cambalear enquanto Daniel o fitava atentamente.
— Uou… parece que eu usei um alucinógeno… O que tá acontecendo?
— Eu não sei, mas eu acho que…
Os dois começaram a cambalear e a ficarem tontos enquanto adentravam aquela estranha e abandonada rua e quanto mais andavam, mais sombrio aquele lugar se tornava. Eles desmaiaram e acordaram horas depois, com um aspecto já… diferente.
— Vem, levanta… — Lucas estendeu a mão ao seu amigo que ainda estava com um pouco de dificuldade de se manter em pé. — O que aconteceu aqui?
— Eu não sei… Essa é a rua, não é? Que a senhorinha lá falou… — Daniel colocou a mão na cabeça tentando se recuperar daquela estranha experiência. — Caramba, parece que eu fumei uma das…
— AMIGO! — Lucas exclamou apontando pra uma das casas, assustando Daniel que deu um pulo. — Olha aquela casa, não se parece com… a sua casa?
— É… pior que parece. Quer dizer, parece com a minha casa em uma versão bem mais antiga... Na verdade, essa rua toda parece a minha rua.
— E essas pessoas aqui? Se cumprimentando, dando bom dia, sorrindo… há tempos que isso não acontece.
— Lucas… será que a gente foi abduzido por seres do passado?
— De onde você tira essas coisas, amigo? — Ele indaga confuso olhando para Daniel que começou a andar em direção a casa que parecia com a dele. — Espera, espera aí…
Daniel toca a campainha e logo uma mulher negra de cabelos cacheados aparece na porta.
— Oi, bom dia. — Ela os cumprimenta com um sorriso no rosto. — O que vocês gostariam?
— Oi, é… a gente tá perdido, precisando de uma informação… é que a gente é novo aqui na cidade! — Lucas responde a moça com o mesmo sorriso no rosto.
— Claro, entrem! — Eles se entreolham estranho e ela chama novamente. — Não é educado deixar dois garotos na porta de casa na véspera de ano novo.
— Véspera de ano novo? — Os dois perguntam ao mesmo tempo e se olham. — Essa história só fica cada vez mais confusa…
Eles entraram naquela casa e olharam tudo ao redor como se fossem turistas. Os móveis eram antigos, o sofá tinha uma capa e muitos eletrônicos mais modernos posicionados em certos locais na casa de Daniel, não existiam na casa dessa moça que eles acabaram de conhecer.
— Aceitam um suco, um café? — A moça ofereceu e eles se assustaram, pulando ao mesmo tempo, provocando nela uma risada tranquila.
— É… suco, né amigo? — Lucas respondeu olhando pro Daniel pra confirmar também. — Aceitamos dois sucos!
— Eu vou buscar. Se acomodem, a casa é de vocês! — Ela sorriu mais uma vez e foi até a cozinha buscar as bebidas, que por sinal, ficava no mesmo local que na casa de Daniel.
— Na verdade, a casa é dele… — Lucas disse apontando pro amigo quando a moça já estava no outro cômodo.
— Caramba… que isso? Essa casa é igualzinha à minha! Quer dizer, com exceção dos móveis e da cor das paredes, mas tudo é parecido… Até a cozinha fica no mesmo lugar! E essa mulher também não me é tão estranha, lembro que eu já vi uma pessoa parecida com ela em um álbum de fotos da minha família.
— Fora que ela se parece com você! — Lucas observa — Ah, e Dan, falando nisso… Ontem lá no natal, eu vi num porta retratos o…
— Aqui estão os dois sucos! — Ela trouxe novamente com um sorriso no rosto e entregou aos dois. — Bem, e então, o que vocês precisam? Vocês disseram que estão perdidos, certo? De onde vocês são?
— Nós… nós somos de… Brasília! Brasília, no Distrito Federal, sabe, conhece? — Daniel mentiu olhando para o Lucas de uma maneira que o pressionou a concordar.
— Conheço, claro que conheço! A recente capital federal! — Ela respondeu fazendo os dois olharem com extrema confusão a ela.
— Recente capital federal? Como assim recente? — Lucas questionou franzindo a sobrancelha.
— É. Na verdade, não é tão recente, já tem uns 18, quase 19 anos, mas comparada aos outros estados e capitais do país, não é tão antiga!
Os dois não souberam o que dizer, era muita informação ao mesmo tempo, muita coisa estranha e inexplicável acontecendo.
— Moça, uma pergunta, uma perguntinha… Em qual ano a gente tá? — Daniel perguntou e agora ela quem ficou confusa, sem entender nada.
— Como assim em que ano nós estamos? O único ano que podemos, ora! Em 1978. Na verdade, hoje à noite iremos pra 1979.
— HOJE A NOITE? 1979? — Os dois questionaram ao mesmo tempo e se olharam. Pronto, agora que confundiu ainda mais o que já estava confuso.
Então, aparentemente ao entrarem na rua abandonada, a rua que indicava no bilhete misterioso que o estranho homem caído na porta da casa de Daniel levava no bolso, os amigos atravessaram um portal no tempo e foram parar no último dia do ano de 1978.
Eles não imaginavam que os mistérios de ano novo estavam apenas começando e que não acabariam tão cedo. Havia um motivo para eles estarem ali e nada voltaria ao normal se eles não cumprissem.