Capítulo I - Piloto

– Por que sair é sempre o mais difícil? – pergunta Rafael, retoricamente para si mesmo, vendo seus amigos tentando decidir o destino.

Ele olha para a janela ao seu lado, que reflete fracamente seus cabelos ruivos, mas vê a paisagem terrosa que os cercam. O grupo está em um posto de combustível, que como quase sempre, tem uma lanchonete, que é onde estão. A garçonete deixa o pedido deles, que todos agradecem, mas ela olha confusa para o mapa que está na mesa e com um sorriso tímido volta para trás do balcão.

– Rafael, pode opinar, por favor? – pergunta Lena, forçando Rafael voltar a realidade.

– Em que?

Ela responde com o olhar, que vai de encontro com o dele para o mapa, que há várias marcações azuis espalhadas por ele e um pino vermelho fixado logo acima da cidade de Crateús.

– Estamos no limite da cidade – responde ele – Qual o ponto mais próximo?

– Pensei em irmos para Fortaleza – diz Cristal – Lá tem vários pontos perfeitos para gente ir.

– Por mim tá ótimo. Podemos ir, então? São seis horas de viagem.

– Perfeito! Doida para conhecer a praia! – diz se levantando, animada.

Ela sai de perto deles, saindo da lanchonete. Ficando apenas Ricardo e Lena com Rafael.

– Por que tudo que ela pede chorando você faz sorrindo? – pergunta Ricardo em tom de brincadeira.

– Eu?

– Você nem disfarça – diz ele saindo, com um sorriso sincero, pondo para trás seus cabelos negros e com seus olhos castanhos, pisca com sarcasmo para o amigo.

Rafael busca apoio em Lena, que desvia o olhar com um sorriso irônico, enquanto guarda o mapa na mochila novamente. "Tá bom, né?" diz ele, se levantando para ir ao balcão. Tira o cartão da sua carteira e a atendente, enquanto calcula o que consumiram, pergunta:

– Estão viajando?

– Sim... Vamos começar uma pequena "tour". Aproveitar as férias, né?

– Que ônibus vão pegar? Porque o último ônibus de hoje já saiu faz um tempinho.

– Ah, a gente está com nosso veículo mesmo – responde gentilmente inserindo o cartão na máquina e pondo a senha.

Lena vai até ele, pondo a mochila nas costas e seguem para fora da lanchonete. "Vamos?" pergunta ela, apertando seus olhos pequenos e negros, que combinam com sua pele e cabelos negros, longos e lisos, deixando evidente sua origem indígena. Logo ele responde com um "Vamos".

Ricardo e Cristal já estão esperando ele na porta do trailer.

Um ano antes...

– Sabe, quando o Rick disse que o trailer tava "um pouco danificado", achei que ele podia tá falando sobre, sei lá... Problemas com os pneus, vidros quebrados, ou até mesmo ferrugem na lataria...Mas, com certeza, não esperava isso!

Fala ao estender as mãos em direção ao trailer na frente deles, que tinha todos os problemas imaginados por ela, mais uma deterioração visível, que qualquer um diria que seria perca total, menos Ricardo. Que deixou em seu galpão particular, onde deixava seus projetos pessoais.

– Ele conseguiu quase de graça – fala Rafael, chegando mais perto do veículo – Vamos trabalhar nele nas horas vagas.

– O que não vai faltar é trabalho. Que ideia foi essa dele? – pergunta ao se sentar em alguns pneus empilhados.

– Rick ama esse tipo de coisa. Quem sabe a gente usa um dia?

– Não entro nessa máquina nem morta.

– Não fala assim dela.

– ... "Dela"?

Atualmente

Todos entram no trailer, que por dentro há dois sofás de frente um ao outro, separados por uma mesa retangular. Ao lado, um espaço voltado para cozinha, com uma pia, fogão e geladeira lado a lado e por cima, um armário suspenso de madeira.

No fim, um beliche separado do restante do trailer por uma porta, sendo essa do banheiro.

Pode não parecer, mas é bem espaçosa por dentro já que os quatro entram e não dá a mínima sensação claustrofóbica.

Rafael olha ao redor e ver seus amigos já familiarizados com o lugar, amigos esses que serão seus companheiros de viagem por um bom tempo.

– Rumo a Fortaleza então? – pergunta Ricardo.

– Rumo a Fortaleza – responde Rafael.

– Então vamos decidir os motoristas da vez? – pergunta Lena, tirando uma moeda do bolso.

Todos confirmam, fazendo o mesmo que ela, mas não é uma moeda normal, e sim, um pequeno disco, do tamanho de uma moeda, mas ao invés de cara ou coroa, há uma face azul em contraparte de uma face vermelha.

"Motorista" diz ela, seguida de um arremesso simultâneo deles, que pegam com a mão aberta e botam nas costas da mão oposta. Quando tiram, somente Rafael está com a face vermelha. Eles repetem o processo, sem ele participando, e todos tem a face azul, exceto Cristal.

– Ótimo, motorista e companheira. Rick e eu cuidamos do resto.

– Cuidado.

Rafael e Cristal sorriem um para o outro e vão para os acentos. Ele liga o trailer e ela se senta na poltrona do lado, ligando o GPS enquanto amarra seu cabelo loiro e com seus olhos claros refletindo a luz daquela manhã olha através da janela com um sorriso ansioso.

Lena e Ricardo conferem se tudo está fechado e fixado em seu lugar, para não ter risco de não quebrar nada no balançar do veículo na estrada. "Podemos ir" diz eles depois se conferir e se sentarem no sofá.

Rafael deixa o posto para trás e se põe na estrada, logo ao amanhecer. O Sol, tímido e escondido entre as nuvens, mal se atreve a despontar, mas já começa a dourar o caminho à sua frente. Junto aos seus companheiros, segue rumo ao horizonte, onde o desconhecido os aguarda, envolto na quietude da manhã que ainda desperta.

Um ano atrás...

Rafael colou na porta do motorista, um adesivo reluzente, mas de tamanho discreto.

– Eva? – perguntou Cristal.

– É... Apelido de uma antiga amiga minha.

– Então vamos cuidar de cuidar da Eva. Quando começamos?

– Logo em seguida. Vai ajudar?

– Vou. No que eu poder, podem contar comigo. Era sobre a "Eva" que queria falar?

– É... Não exatamente.

– E sobre o que era?

Rafael olha para sua mochila, que deixou em cima da mesa assim que entraram. Pensa no conteúdo que há dentro dela, mas ao olhar para o sorriso de Cristal a sua frente, repensou melhor sobre contar o que iria e com um sorriso sem jeito, respondeu: "Ia perguntar justamente se poderia vir comigo quando começarmos a reforma".