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– Então, a gente namorou? – pergunta com a voz esganiçada, ansioso pela resposta.

– Essa é sua primeira pergunta? – ela pergunta rindo, colocando as mãos no bolso e olhando fixamente para aquele par de olhos brilhantes e inocentes.

– É, quero saber se conseguimos encontrar alguém que goste da gente pelo que somos.

– Sim... – ela responde, sentando-se no balanço. O pequeno se acomoda ao lado dela, também no brinquedo. – Sim, namoramos algumas vezes.

– Algumas!? Como assim "algumas"? Não casamos com a primeira pessoa com quem namoramos?

– Não. Isso seria seu maior arrependimento.

– Então, eu namorei sem amar a pessoa?

– Você tem uma visão bem... bem turva sobre o que é amor, né?

– Eu só achei que saberia escolher a pessoa certa.

– Você escolheu. Mas não é errado repensar suas escolhas.

– Então, como funciona?

– O quê?

– Isso, você simplesmente deixa de amar a pessoa? Do nada?

– Olha... você vai amar, mas depois vai doer. E só então vai entender que o problema não estava em você. A dor que você vai sentir não é o problema, mas, algumas vezes, é algo que você precisa sentir para aprender. Você ainda tem uma visão bem errada sobre isso. Quando perceber que nem tudo será como imagina, você saberá lidar com o “lado ruim”.

– Lado ruim?

– Sim. Também vamos machucar algumas pessoas nesse processo... Pessoas que não mereciam.

– Por quê?

– Medo. Você vai ter medo de machucar a pessoa errada. No fim, alguém sempre sai machucado.

– Entendi... E nossos planos? A gente também vai repensá-los?

– Sim, a maioria deles.

– Quais?

– Quase todos.

– Viramos médicos?

– Não. Você vai descobrir que nunca desejou isso. Você quer ajudar as pessoas, então vai fazer algo um pouco diferente.

– Mas, fazemos faculdade, né?

– Sim. Mas não de primeira.

– Como assim?

– Vamos passar por duas áreas antes de nos encontrarmos de verdade.

– Eu fui aceito em duas faculdades!? – pergunta, com as mãos fechadas em um gesto de animação.

– Sim... Uma depois da outra. Em uma, você desistiu, na outra nem tentou de verdade. Isso nos ensinou a continuar tentando. Se prepara: não vai sair do ensino médio direto para a faculdade. Não vai ser sempre o menino prodígio.

– …Ainda bem. – diz, como se tirasse um peso das costas.

– Por quê? Não gostamos de ser inteligentes?

– Mas ninguém mais gosta. Ninguém quer ser meu amigo.

– É verdade. – fala, olhando para o restante do pátio e para os outros brinquedos, relembrando mentalmente as tentativas ineficazes de fazer amigos. – Não temos culpa. Quando olho para trás, é estranho ver um garoto como você chegando e falando curiosidades esquisitas.

– Poxa, quem não gostaria de saber que um peixe dourado tem a memória de três segundos?

– É… muita gente. Muita gente mesmo! Mas, quer saber? Não para não. Um dia, vai ter gente que vai gostar de ouvir essas coisas.

– Fizemos amigos?

– Sim. Inclusive, você vai ser melhor amigo daquele garoto ali. – aponta discretamente para uma criança com os cabelos espetados, correndo com uma bola na mão.

– Dele!?

– É.

– … Ele ameaçou a gente, por acaso?

– Não. Ele salvou a gente… muitas vezes. Vai por mim, terão ótimas noites juntos. Não vai querer ficar bêbado com mais ninguém.

– A GENTE BEBE!? – indaga, como se estivesse sendo insultado.

– Informação demais. – ela diz, com um sorriso maroto. – Mais alguma pergunta?

– O que aconteceu com a gente?

– Como assim?

– Não sorrimos mais, né?

– É... não tanto. – ela diz, soltando um longo suspiro. – Mas isso não significa que deixamos de sorrir. Como agora. – mostra uma cicatriz na mão direita. – A gente caiu. Foi feio, na verdade. Mas acabamos rindo sozinhos com isso. Não necessariamente vimos o lado bom, mas extrai uma boa lição.

– Isso é tão estranho.

– A gente se acostuma. Algumas pessoas se sentirão encorajadas por isso.

– Como assim?

– Você será líder de algumas coisas... tomará decisões importantes. E essas pessoas vão querer, vão exigir sua confiança.

– Trabalho de escola?

– Um pouco mais do que isso.

– Achei que não seríamos mais prodígios.

– E não vamos ser... mas, ninguém se segura para sempre, né?


Os dois riem e olham para o pátio novamente.


– Está cansado, né? Por isso veio falar comigo.

– Sim.

– Por quê?

– O quê? – ele pergunta, voltando à realidade.

– Você é mais experiente que eu. Eu não sei de nada. Como vou te ajudar?

– Às vezes, não queremos ajuda. Só precisamos de um momento de paz. E isso está em falta.

– Quer que eu te balance?

– … Quero. Quero sim.


O pequeno se levanta e começa a empurrar as costas do mais velho, que começa a balançar-se, segurando com firmeza as correntes do balanço, sentindo a brisa acariciar o semblante. O movimento o leva para lá e para cá, enquanto o sol se despede e a lua começa a emergir. Inúmeras vezes o ciclo se repete, até que o dia se esvai, num fugaz piscar de olhos.

Em sua derradeira reviravolta, ele escuta:


– Senhor?

– O-Oi!?

– Gostou do apartamento?

– Gostei sim. – responde, se levantando, sem jeito. – Eu... já conhecia.

– Chegou a morar nesse condomínio antes?

– Não… Um parente distante. Foi como voltar no tempo. Desculpe. Vi o parquinho e… não resisti.

– Sem nenhum problema. Então, vamos fechar o contrato?

– Sim, claro. Eu subo em um minuto.

– Certo. Vou separar os papéis.


Sozinho, junto ao balanço que agora está erguido, ele segura novamente as correntes desgastadas pelo tempo, mas ainda firmes. Um sorriso escapa de seus lábios, enquanto sua visão periférica abarca o entorno pela última vez. Com determinação, ele se encaminha para o escritório. No ar, paira uma tensão silenciosa, um peso que o impulsiona adiante.

 
 
 

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